Um presente de Natal para o Semiárido de sabor amargo
O movimento de Mobilização Social para o Semiárido Brasileiro teve nos últimos dias um presente nada digestivo pelo sabor amargo gerado na água de beber. Tudo por conta das ações do Governo Federal que com a desculpa de agilidade de metas pretende adotar uma nova forma de construir cisternas no semiárido brasileiro. Nestes objetivos o governo pretende construir cisternas de plástico PVC com a desculpa de maior agilidade na construção de cisternas no Semiárido.
Após oito anos de parceria com o Governo Lula, a decisão do governo federal, expressa pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), de não mais renovar os Termos de Parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), pode levar ao fim uma das ações mais consistentes de garantia de água para as famílias do meio rural semiárido: o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Sem dúvida o maior programa com apoio governamental de distribuição de água e cidadania, em uma região onde antes só existia fome, miséria e a indústria da seca.
O P1MC, premiado até pela Organização das Nações Unidas (ONU), gestado e executado pela ASA (rede de organizações da sociedade civil), já beneficiou diretamente mais de dois milhões de pessoas, em 1.076 municípios, a partir da construção de quase 372 mil cisternas de placas, envolvendo 12 mil pedreiros e pedreiras. Os resultados são tão expressivos que a construção de cisternas se configura como a principal proposta do Programa Água para Todos.
A argumentação é que a partir de agora o governo federal vai priorizar a execução do Programa, que integra o Plano Brasil Sem Miséria, apenas via municípios e estados, excluindo a sociedade civil organizada. A sugestão dada pelo MDS é que a ASA negocie sua ação em cada um dos estados contemplados. Para além da parceria com estados e municípios, o governo também anuncia a compra de milhares de cisternas de plástico/PVC de empresas que começam a se instalar na região. Ou seja, o governo não apenas rompe com a ASA, mas amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas.
A Coordenação Executiva da ASA, em documento divulgado, expressou seu posicionamento diante das medidas tomadas pelo Governo Federal considerando um retrocesso, o que pode gerar um retorno claro e nítido a velhas práticas da indústria da seca, onde as famílias são colocadas novamente como reféns de políticos e empresas, tirando-lhes o direito de construírem sua história. É também uma tentativa de anular a história de luta e mobilização no Semiárido, devido à incapacidade do próprio governo em atuar com as ONGs, sem separar o joio do trigo, e não ter, até hoje, construído um marco regulatório para o setor, uma das promessas de campanha da presidenta Dilma.
As ações da ASA não são reconhecidas apenas no Brasil, que renderam uma dezena de prêmios, a exemplo do Prêmio Direitos Humanos – categoria Enfrentamento à Pobreza, promovido pelo próprio governo federal e entregue pelo então presidente Lula, no final do ano passado, mas também internacionalmente, como referência de gestão e inclusão social no campo do acesso à água e do direito à segurança alimentar e nutricional das famílias carentes do Semiárido (ONU).
Com esse novo jeito de construir cisterna no semiárido através da cisterna de plástico implantado pelo governo, todo o processo de liberdade do povo estará comprometido. Entenda por quê
Pelo sistema de trabalho da ASA a cisterna de cimento do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o semiárido é construída pela família, o pedreiro e todo o material utilizado é comprado no comércio local, gerando renda à região. Já a cisterna de plástico PVC será construída por grandes empresas, todo o processo é vindo de outros locais, favorecendo o capital privado e deixando o povo na velha dependência das empresas.
De imediato, as cisternas de plásticos/PVC excluem as famílias do processo participativo, retiram delas a cidadania, pois já são entregues prontas pelas as empresas, todos os recursos são repassados às grandes empreiteiras com um custo superior ao dobro das cisternas feitas de Placas, com a renda concentrada nas mãos dos empresários.
Já as Cisternas de Placas que captam a água de chuva a partir do telhado, tem a água como direito e não beneficio, a água integra a segurança alimentar e nutricional, é construídas pelos os agricultores das comunidades rurais, tem baixo custo, fortalece a economia local, gera renda para pedreiros, pequenos comércios as famílias participam do processo de escolhas de quem vai conquistar, todas as famílias são capacitadas e essas famílias são donas da tecnologia.
Na cisterna de cimento todo o processo de mobilização é compartilhado entre a sociedade organizada, gerando renda no comércio local e formação às famílias da comunidade. Na cisterna de plástico todo o processo é de domínio das grandes Empresas, sem a participação da comunidade.
Pelo sistema de trabalho da ASA através da cisterna de cimento, os municípios formam as comissões municipais com representantes da sociedade civil local. Essas comissões decidem dentro dos critérios do programa as famílias a serem beneficiadas num processo bem democrático. No modelo cisterna de plástico isso não é claro e pode se tornar um monopólio de interesse político partidário. Por essa e muitas outras razões as Entidades que formam a ASA são contra.
Pelo modelo de trabalho da ASA as tecnologias aplicadas nos programas geram estocagem de conhecimentos, valores culturais, liberdade na capacidade de fazer e construir idéias. No modelo cisterna de plástico toda a tecnologia é de propriedade das grandes Empresas. Onde fica a autonomia e liberdade da família?.
Nós que formamos a sociedade civil organizada entendemos que não se trata
apenas de construir cisternas mais sim de conquistar liberdade pelo jeito de fazer, de buscar, de lutar e participar. Tudo isso está contemplado através dos Programas da ASA. Mas em se concretizar o plano do Governo de construir cisternas de plástico, ou na verdade um tanque de plástico que virá a ser construído por uma empresa de fora, sem a participação da família, sem gerar renda na comunidade. As velhas práticas politiqueiras do Nordeste de trocar voto por água estará de volta com força total.
A ASA já provou por A mais B que o Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido é viável e concreto na busca de liberdade para um povo que foi muitos anos acusados de forma injusta de incapazes.
A ASA fez hoje dia 20 de dezembro uma manifestação em Petrolina (PE), para protestar contra a ameaça da não continuidade dos Programas da ASA e para denunciar que a sociedade civil organizada está sendo excluída do governo de Dilma Rousseff.
Milhares de pessoas do semiárido de diferentes estados nordestinos, inclusive aqui de Pedro II estão em Petrolina por todo o dia de hoje com o objetivo de alertar o país para uma possível volta às velhas práticas do passado, quando a indústria da seca era a única coisa que vicejava no semiárido brasileiro e qualquer arremedo de solução era usado como moeda eleitoral.
O rompimento da parceria com a ASA é anunciado no momento em que a opinião pública está predisposta a considerar qualquer ONG fraudulenta. Como foram denunciados muitos “malfeitos” nos convênios entre algumas organizações não governamentais e ministros demitidos, não há melhor hora para romper com a sociedade civil organizada. E fazer parecer que as ações são um esforço de moralização dos recursos públicos. Esquece-se – talvez por conveniência – que o surgimento das ONGs é resultado direto da redemocratização do país. E também que uma parcela significativa delas não apenas é honesta, como tem operado uma grande transformação nas relações e nos resultados em várias áreas cruciais.
A sociedade civil organizada tem – e para parte dos políticos é aí que mora o incômodo – impedido que as verbas públicas sejam interceptadas e manipuladas por grupos instalados em setores estratégicos. E assim, impedido governos, em todos os níveis, de agradar aliados com a possibilidade de administrar uma parcela polpuda das verbas públicas. É claro que há ONGs corruptas, que se aliaram a políticos corruptos, para lucrar com o dinheiro do povo. Mas demonizar todas elas é uma esperteza de quem está doido para voltar ao modelo antigo – e é também má fé e desrespeito com o avanço conquistado pela sociedade brasileira nas últimas décadas.
Em novembro, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretária-Geral da Presidência da República, afirmou que o governo separaria “o joio do trigo”. Disse mais: “As organizações sérias não têm nada a temer”. Pesquisei, então, em que lugar se situa a ASA na paisagem da sociedade civil organizada. Descobri que, na opinião do governo federal, a ASA é “trigo” da melhor qualidade.
Aqui de Pedro II foi um ônibus com 50 pessoas de várias entidades da cidade como também famílias, representantes da comissão entre outras para somar força neste ato de manifestação.
Em entrevista a jornalista Eliane Brum na Revista Capital desta semana o Coordenador Nacional da ASA Naidison Baptista disse o seguinte:
“O governo rompeu a parceria com a ASA. Mas os ladrões não estão no nosso meio”, afirma Naidison Baptista. “Nós não somos construtores de cisternas apenas, nós somos uma rede de organizações da sociedade civil que influencia na política para o semiárido como parte do processo democrático. Temos orgulho de ter pautado o governo federal para a construção de cisternas e de políticas de convivência. Se você voar hoje sobre o semiárido, vai ver os pontinhos brancos. São as cisternas. As pessoas não entram mais na fila da água em troca de voto. Cortamos a raiz do coronelismo do Nordeste. Então perguntamos: por quê?”.
A ASA atua usando o conhecimento da comunidade e estimulando que as pessoas se apropriem coletivamente do processo de construção de cada cisterna. É a comunidade que decide em conjunto quem vai receber a cisterna primeiro, a partir de critérios como pobreza, número de crianças e de idosos, se a mulher é a chefe de família etc. Cada família participa da construção da cisterna, que dura cerca de cinco ou seis dias, e fornece a água para a vizinha enquanto não chegar a vez dela. Para a construção é usada a mão de obra da cidade ou povoado e o material das lojas dos pequenos comerciantes, movimentando a economia local. É também a agricultura produzida em cada região que fornece a alimentação. Para a ASA, a implantação de uma cisterna é mais do que uma obra: é a construção de um espaço social de onde tem emergido novas lideranças e uma juventude ativa. Mudança socioeconômica e política importante em uma região historicamente dominada por oligarquias em que sempre coube aos sertanejos ou se submeter a algum “painho” – ainda que com pinta de moderno – ou migrar para o centro-sul. “A água estava concentrada na mão de poucos”, resume Baptista. “Com as cisternas, a água foi repartida.”
Nós que fazemos o Centro de Formação Mandacaru de Pedro II entendemos que caso o Governo Federal não concretize a continuidade de parceria com a Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA haverá uma grande injustiça, por isso estamos unidos as demais Entidades para lutar e não deixar essa injustiça acontecer.
Defendemos a continuidade dos Programas da ASA pois geram liberdade para nosso povo.
Fontes: Neto Santos, Sabrina Sousa e Eliane Brum
Pedro II, 20 de dezembro de 2011.
Coordenação Geral do Mandacaru
Eu gostaria de assinar e fazer campanha um abaixo-assinado para mandarmos para a presidenta Dilma. Pergunto se ja existe
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Que o grito de Justiça seja tão ensurdecedor que os “poderosos caiam de seus tronos…”
E surja muitos, muitos mesmos dispostos a trabalhar para que o sol de justiça de novo volte a brilhar!
Muito obrigado por todos que já dão a vida por isso!
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